Sabe-se que a luminosidade das estrelas tem a sua origem nas reações termonucleares que se processam no seu interior. Durante a maior parte da sua vida, as estrelas transformam hidrogénio em hélio na sua parte central. Esgotado o hidrogénio a estrela passa por transformações que conduzem à fusão do Hélio, depois à fusão do Carbono e de elementos de maior massa, até ao final da evolução.
A fusão do hidrogénio em hélio resulta de diversas cadeias e ciclos de reacções nucleares que transformam 4 protões num núcleo de 4He, com emissão de 2 positrões (e+), 2 neutrinos νe e libertação de energia, que varia entre 26.73 Mev e 19.17 Mev conforme as reacções intervenientes. Os positrões são imediatamente aniquilados pelos electrões do plasma, com produção de energia, mas os neutrinos, dado que têm uma capacidade extremamente baixa de interactuarem com outras partículas, viajam sem pertubação através da estrela e do espaço interestelar. Conhecendo a luminosidade da estrela é fácil calcular o fluxo de neutrinos emitidos.
No caso do Sol o fluxo total é de 1.8× 1038 neutrinos emitidos por segundo. Uma área de 1 cm2 à superfície da Terra, colocada perpendicularmente à direcção Terra-Sol é atravessada por 6.4× 1010 neutrinos solares em cada segundo! Na década de 1960 surgiu a ideia de procurar detectar os neutrinos solares pondo assim à prova o modelo de produção de energia no Sol. É um teste muito importante em astrofísica porque é o único meio que temos de obter informação directa sobre o que se passa na região central do Sol, onde é produzida a energia.
O principal problema resulta de os neutrinos serem muito difíceis de detectar, visto que apenas interactuam através da interacção nuclear fraca. Sendo assim os dispositivos experimentais de detecção dos neutrinos solares têm necessariamente grandes dimensões para aumentar a probabilidade de os neutrinos interactuarem com partículas do detector. Há actualmente várias experiências com diferentes limiares de energia. Cada dispositivo detecta apenas neutrinos com energia superior a um dado limiar de energia. Este aspecto é importante porque os neutrinos solares provenientes das várias reacções nucleares nas cadeias e ciclos de fusão de hidrogénio em hélio têm um espectro de energia característico. Com modelos do Sol torna-se possível calcular teoricamente o fluxo de neutrinos provenientes de cada uma das reações nucleares, produtora de neutrinos. Obtidas estas previsões teóricas podemos compará-las com os resultados experimentais de medição do fluxo dos neutrinos solares para diversas energias. Atualmente estão em curso as seguintes experiências: a mais antiga, liderada por Raymond Davis, consiste na detecção radioquímica em Cloro numa antiga mina de ouro nos EUA; Kamiokande no Japão com detecção em água pura; GALLEX nos Apeninos em Itália e SAGE no Caucaso, ambas com detecção em Gálio. Entretanto estão em fase final de construção mais duas experiências, SNO e BOREXINO.
É aqui que surge o enigma! Todas as medições feitas até ao presente conduzem a um valor experimental para o fluxo de neutrinos solares que é inferior aos valores teóricos. Os modelos solares capazes de explicar a luminosidade do Sol prevêm um fluxo de neutrinos superior ao detectado. Que sucede aos neutrinos produzidos no interior do Sol? Porque razão não são todos detectados na Terra?
Na experiência de Davis, que detecta neutrinos de energia superior a 0.8 Mev e está em funciomamento há mais de 25 anos obtem-se uma taxa de detecção de 2.55±0.25 SNU, enquanto que os cálculos baseados nos mais recentes modelos solares conduzem a 9.3±1.3 SNU. SNU (Solar Neutrino Unit) é uma unidade conveniente para medir taxas de detecção de neutrinos solares e corresponde a 10-36 interacções por átomo do elemento activo do detector e por segundo. Para neutrinos solares de energias superiores a 7.5 Mev obtem-se um valor teórico de 1.0±0.16 SNU e um valor experimental na experiência de Kamiokande de 0.44±0.06 SNU. Finalmente para neutrinos solares de energias superiores a 0.2 Mev o valor teórico é 137±6 SNU e o valor experimental médio das experiências GALLEX e SAGE é de 74±1.3 SNU.
Detectaram-se neutrinos provenientes do interior do Sol e isso constitui uma validação importante dos modelos das estrelas e da sua evolução. Mas o fluxo detectado é muito inferior ao previsto. A solução do enigma está em incorreções no modelo do Sol ou este modelo é correcto e passa-se algo desconhecido com os neutrinos no seu trajecto do interior do Sol aos detectores ou no processo de detecção na Terra? A comunidade científica parece inclinar-se progressivamente para a segunda solução. Esta iria alterar profundamente a actual teoria das interacções nuclear fraca e electromagnética, isto é, a chamada teoria standard da interacção electrofraca.
Será que durante o percurso do Sol à Terra os neutrinos de tipo electrão, νe, se transformam em neutrinos de tipo muão, νμ, e em neutrinos de tipo tau, ντ? As oscilações entre diferentes estados de neutrinos -νe, νμ, ντ- dependem da interacção com electrões ou dão-se no vácuo? São questões ainda sem resposta.
O caso dos neutrinos solares desaparecidos é um exemplo eloquente de como a Astrofísica está hoje em dia na vanguarda da ciência, conduz a questões verdadeiramente novas e lança profundos desafios à Física. A fronteira da ciência fundamental situa-se cada vez mais na observação do Universo próximo e longuínquo, revelado pelos poderosos meios de observação astronómica (disponíveis, a ser construídos ou apenas planeados) do que nas experiências possíveis de realizar nos limitados laboratórios da Terra.