sábado, 15 de agosto de 2009

Chatterton, o rei do suicídio




Chatterton suicidou. Kurt Cobain suicidou. Vince Van Gogh suicidou. Nietzsche enloqueceu. E eu, puta que pariu, nao vou nada bem". Canta Seu Jorge com sua voz grave enquanto repete um quadrado no baixo. Kurt Cobain, Van Gogh e Nietzsche são conhecidos, mas quem é Chatterton? Você sabe?

Thomas Chatterton é um dos cadáveres mais famosos da história, nasceu na classe equivocada em 1752 e nunca conseguiu sair dela, viveu somente dezessete anos e comeu merda desde o momento que chegou até o que abandonou este mundo. Sua mãe cuidava de uma igreja em Bristol, seu pai morreu antes que ele nascesse.

Thomas foi mandado à escola para pobres de Bristol, onde se formou com escasso futuro aos catorze anos e começou a trabalhar para um copista da cidade, que não lhe pagava nem uma tostão: só recebia alojamento, comida e roupa velha, como todos os outros criados.

Nessas ásperas condições, o jovem, criativo qu era, inventou um monge medieval chamado Thomas Rowley, a quem adjudicou uma série de poemas, redigidos por ele mesmo, em estilo e caligrafia impecavelmente góticos, sobre uns pergaminhos que seu avô tinha encontrado acidentalmente nos sótãos da igreja que cuidava. Graças a eles, o impetuoso Chatterton pôde deixar Bristol e chegar a Londres disposto a conquistar a cidade com sua pluma. Seis meses depois sua caseira encontrou o rapaz morto no sótão que alugava.

O morto ainda não havia esfriado quando começaram a tecer a lenda. Enquanto a população masculina reunida na taberna atribuía o suicídio à evidente insanidade do morto (coisa que permitia explicar todas as excentricidades de Chatterton, desde suas ameaças de se tornar maometano até suas falsificações medievais, seu bizarro gosto para se vestir e inclusive sua condição de vegetariano), as garotas do bordel asseguravam que o rapaz tinha morrido de fome porque o padeiro não teria aceito vender lhe fiado. A madame afirmou que tinha ouvido ele soluçar durante toda a noite, enquanto seus passos podiam ser ouvidos indo de um lado ao outro do quarto. Uma vizinha que conseguiu acompanhar a polícia que forçou a porta disse que o cadáver jazia caído próximo a cama, com expressão angelical e rodeado de papéis rasgados em confete. E o boticário confessou compungido que à tarde anterior tinha vendido um pouco de arsênico e láudano ao rapaz.

Nos dias seguintes, não somente as garotas do bordel, senão já todas as mocinhas da área falavam da fulminante beleza, do caráter indômito e das proezas sexuais do finado. "No fundo de seus extraordinários olhos verdes existia um dourado do fogo", escreveu Horace Walpole, que em vida desprezou Chatterton olimpicamente. E Coleridge, ainda sabendo que aqueles poemas medievais tinham sido meras imitações, afirmou que estavam escritos "no inglês mais puro que jamais tenha existido".




Chatterton foi o primeiro caso de um poeta no qual importam menos seus versos que sua vida, e sua morte. Menos de um ano após sua morte, Alfred de Vigny estreou em Paris sua obra de teatro sobre Chatterton e Goethe publicou "As atribulações do jovem Werther" e começou uma verdadeira epidemia de suicídios de jovens em toda Europa.Chatterton era o padrão pelo qual mediam seu desespero. Juventude, poesia e alienação tornaram-se sinônimos. Keats, Shelley e Byron o idolatraram. Baudelaire, Nerval e Rimbaud fariam o mesmo na França, como Von Kleist e Holderlin na Alemanha. Nas palavras de Balzac, a disjuntiva era "matar a paixão e envelhecer ou abraçar o martírio da paixão e morrer jovem". O suicídio converteu-se no supremo gesto de desprezo para o insípido mundo burguês. O quadro "A morte de Chatterton", do pré-rafaelista Henry Wallis, converteu-se em um autêntica estandarte de devoção. E a única razão que impediu que a sepultura do poeta se transformasse em objeto de veneração foi que ele foi enterrado em uma vala comum.

Curiosamente, se Chatterton não tivesse morrido e permanecesse escrevendo teria se convertido quase que certamente em sua própria antítese: de fato, ao chegar a Londres já tinha deixado para trás sua escritura "gótica" e assumido o estilo da moda por então na metrópole, a sátira em verso.Com esse paradoxo em mente, um recém formado da Universidade de Bristol chamado Nick Groom - atualmente professor em Bristol- resolveu mergulhar na iconografia chattertoniana e após 10 anos emergiu com um veredicto decepcionante até para ele mesmo: Chatterton não se suicidou. O relatório do forense admite a presença de arsênico e láudano no corpo, mas aplicados para curar uma gonorréia. Aparentemente Chatterton incorreu em uma sobredose acidental. Nos papéis que ficaram em sua habitação e foram enviados a sua família não há o menor sinal de depressão suicida. Ao invés disso, Chatterton conta nelas que estava ganhando bom dinheiro, fruto das trinta peças que conseguiu colocar em sete jornais de Londres antes de chegar e outras vinte e quatro que entregou nos meses anteriores a sua morte, além de vender um drama musical e aceitar uma boa comissão para escrever um livro por contrato.Quanto à chuva de confetes em torno do cadáver, deve-se ao fato que era prática habitual sua rasgar em pedaços bem pequenos tudo o que escrevia e não gostava (para que ninguém pudesse roubar os versos que ele descartava). Groom conta ademais que Chatterton teria certamente deixado uma nota em caso de suicídio já que, em seus tempos na casa do copista em Bristol, duas vezes encontraram bilhetes suicidas escritos por ele em lugares bem visíveis da casa (razão pela qual foi mandado embora).Ao final a conclusão é que Thomas era bastante diferente daquele ser mórbido retratado por Wallis; era um cara bem mais simpático, um bon vivant, um atleta de alcova que se matou por acidente tentando se curar das doenças causadas por suas noitadas na esbórnia com as meretrizes londrinas .

Seu Jorge & Ana Carolina - Chatterton

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