sábado, 26 de setembro de 2009

A história por detrás de Bastardos Inglórios de Tarantino

"Meu pai era um Maldito Bastardo mas não escalpelava nazistas, nem lhes tatuava a suástica na testa com a navalha, tampouco degolava. Meu pai, Peter Masters (1922-2005), apagou sua identidade e todo seu passado para alistar-se na "X Troop" britânica ou comando clandestino judeu de elite que participava em arriscadas, e muitas vezes suicidas missões de informação para o exército aliado. O pornográfico açougue tarantiniano mostra uma realidade enviesada de violência gratuita bem longe do valor e intrepidez de meu pai. A história real é ainda melhor". - Kim Masters.




Peter Masters, antes Peter Arany, foi um dos 88 refugiados judeus e repudiados pela Alemanha nazista, que formaram este comando de elite que trabalhava sempre ao outro lado da frente dissolvendo com o inimigo. 21 deles morreram de forma selvagem em alguma missão e outros 23 foram feridos gravemente. Dos 44 que participaram no desembarque na Normandia, 27 foram assassinados, feridos ou feitos prisioneiros. Eram um comando clandestino, fora de toda estatística, regulamento público e protocolo militar; baseado no voluntariado e promovido pela vingança pessoal dos que foram reprovados e torturados pelo integrismo nazista em território alemão. Foi um dos segredos melhor guardados da Segunda Guerra Mundial. Até o final dos anos 60 ninguém sabia dos que demonstravam e explicavam sua existência.



Uma das barcaças que participaram no desembarque

A Tropa X nasceu em 1942 sob o comando de Louis Mountbatten (reputado diplomata e marinheiro inglês) e como resposta à otimização dos recursos britânicos em território estrangeiro. Louis pensou no agrupamento de unidades por nacionalidades para melhorar as coesões de grupo nas forças especiais. Em julho de 1942 o capitão Bryan Hilton Jones -um avantajado militar montanhês e professor de idiomas- solicitou a conformação de um grupo segregado para atividades de imersão nas linhas inimigas. Mais de 10 mil candidatos e refugiados judeus negociaram a solicitação promovidos pela revanche do ódio acumulado em seu martírio nazista. A maioria foram recusados por seu estado físico. Ao final mil homens foram recrutados para o comando, ainda que somente 88 chegaram a sub-oficiais. Tinha nascido a Tropa X. Nome dado por Winston Churchill, em elogio a valentia destes "guerreiros desconhecidos".- "Vingar dos nazistas era uma motivação sempre presente na Tropa X. Mas nosso comando era a antítese das sempre incômodas denúncias por fazer justiça como "Cordeiros no matadouro". Peter Masters- "Matamos as pessoas, sim; mas com "elegância", sem esse tipo de coisas". Tony Firth da Tropa X e amigo fiel de Peter Masters, ao conhecer o roteiro do filme de Tarantino.- "Ainda tenho, com 88 anos, pesadelos e remorsos daquela tarde. Minha companhia lançou uma granada desde retaguarda enquanto eu esperava do outro lado da trincheira inimiga. Em um instante um jovem soldado alemão saiu com as mãos levantadas e disparei. Eu não queria matar ninguém com os braços levantados. Isto me tortura até hoje". Peter Terry da Tropa X.


A Tropa X e retaguarda avançando para Benouville.
Depois da seleção foram treinados duramente no País de Gales em artes bélicas das forças especiais britânicas; particularmente em pára-quedismo, escalada, rapel e o manejo de explosivos. Também foram obrigados a queimar qualquer documento que revelasse sua antiga identidade e a praticar sua nova assinatura durante horas até sua perfeita execução. Isto incluía a desconexão total com o meio familiar e pessoal anterior. O conhecimento do alemão e seu impecável sotaque eram requisitos imprescindíveis para a militância no grupo de eleitos para assim poderem mimetizar-se em território inimigo e poder realizar os interrogatórios a prisioneiros com as máximas garantias.Para os alemães, os integrantes destes comandos eram bastardos e desertores militares, carniças, soldados e judeus insubordinados. Uma ordem direta de Hitler em 1942 ordenaria o fuzilamento imediato dos desertores pátrios sem glória ou "gansters da sabotagem", como ele mesmo os chamava.A mais importante encomenda da Tropa X foi o trabalho estratégico e de informação antes, durante e após o
desembarque na Normandia em 6 de junho de 1944. Antes do dia "D" foram enviados até 3 vezes a comprovar 'in loco', com seus próprios pés, se as praias francesas estavam minadas com artefatos HairTrigger (minas de detonação super sensíveis) ou com minas convencionais. O depoimento de Peter Masters sobre a avançada posterior em "Sword Beach" é estremecedor:Cruzamos em silêncio as turbulentas águas do Canal inglês. Alguns de meus camaradas morreram antes inclusive de sair da lancha de desembarque. Eu levava uma mochila carregada, uma metralhadora, um montão de pentes e granadas, uma bicicleta dobrável e uma longa corda de cânhamo para salvar a "Ponte Pegasus" no caso que os alemães tivessem voado para impedir nosso avanço.Seguimos com nossas bicicletas em direção à aldeia de Benouville após deixar a praia, até que o colega batedor foi alvejado na cabeça por uma balaço inimigo. Refugiamos-nos até novo aviso. O capitão ordenou-me então que encabeçasse de novo a expedição rumo à aldeia, mas não de forma discreta senão por metade do caminho. Entendi que se tratava de localizar as posições inimigas com seus disparos. Senti o cheiro de uma sentença de morte mais que provável mas aceitei.Tratei de improvisar recordando a cena do filme 'Gunga Din' no qual Cary Grant, em uma situação similar e rodeado de inimigos, começou a gritar friamente: "Vocês todos estão presos!". Assim, enquanto caminhava pelo meio da estrada, comecei a vociferar em alemão: "Rendam-se todos e saiam daí! Vocês estão completamente cercados e não têm escapatória!"O efeito foi demolidor. Após um longo silêncio vi só a cabeça de um soldado alemão que disparou em minha direção infrutiferamente. Devolvi o fogo cruzado quando me dei conta todos os inimigos tinham delatado sua posição e minha tropa completa me cobria os flancos.
Em setembro de 1945 o comando dissolveu-se, mas muito de seus membros seguiram participando nas operações militares das forças de ocupação, seguindo pequenos grupos de resistência nazista, os covardes fugitivos criminosos de guerra ou traduzindo documentos apreendidos em território ocupado.
Peter Masters abandonou sua condição de "bastardo sem glória" para converter-se em um reputado diretor de arte de uma cadeia de televisão americana. - "Começou como um 'bastardo sem glória', justamente o contrário do que é agora". Recorda sua filha. Seu coração falhou em 2005, com 83 anos, enquanto jogava um partido de tênis em uma escola de Rockville em Maryland; e sem conhecer o filme do menino mimado de Hollywood que hoje distorce com cenas sanguinolentas seu cruel, mas valente legado.



Peter no 65° aniversário do desembarque.




Fontes:
Escrevi o artigo sem ver -ainda- o filme de Tarantino, para tentar oferecer uma visão mais objetiva e equânime da verdadeira história deste comando. A primeira coisa que encontrei foram diversas entrevistas e artigos de sua filha tentando descontaminar inutilmente o passado de seu pai. Peter Masters demorou quase 15 anos para escrever suas incríveis memórias militares: "Striking Back: A Jewish Commando's War against the Nazis".
















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