terça-feira, 22 de setembro de 2009

O alpinista que desceu a montanha se arrastando e com os tornozelos rompidos


A guerra entre o homem e montanha é milenar. Esta aventura espetacular conta a vitória de um homem que fez história ao vencer uma das montanhas mais perigosas do mundo: o "Baintha Brakk" conhecida também como "O Ogro", pelo respeito que suscita. O britânico Doug Scott foi o primeiro a vencer a montanha e, com ambos tornozelos fraturados por um acidente, demorou sete dias para descer até sua base deslizando, naquela que é considerada uma das maiores façanhas do alpinismo.



"O Ogro" é uma montanha muito escarpada de 7.285 metros situada em uma sub-cordilheira do grande Carakórum (em turco: "pedreira negra"). Seu nome faz honra a sua lenda e suas formas -sua face leste é uma grande parede vertical de rocha- intimidaram dezenas de alpinistas. Poucos ousaram desafiá-la e a maioria saíram derrotados em suas tentativas. Só 2 expedições das mais de 20 organizadas ao longo da história conseguiram chegar ao seu topo. Doug Scott e seu colega Chris Bonington -dois dos melhores alpinistas da história- foram os primeiros a colocar a bandeira britânica na cabeça do Ogro. A expedição organizada no verão de 1977 e que atingiu o topo em 17 de julho era composta por Mo Anthoine, Clive Rowland, Nick Estcourt e Tut Braithwaite.


O Ogro de 7.285 metros

Foram necessários mais de 30 anos até que outra expedição conseguisse coroar de novo "O Ogro". Em 21 de julho de 2001 um grupo de alpinistas alemães (Urs Stöcker, Iwan Wolf, e Thomas Huber) conseguiram atingir o cume mas por uma via bem mais singela que a dos ingleses.

O cúmulo de desgraças e acidentes da expedição pioneira converteram a empreitada em uma aventura inesquecível com mostra da tenacidade e empenho de um par de homens por superar à grande "besta". A primeira tentativa de atingir o cume após levantar o acampamento base foi pela perpendicular no grande esporão central. Uma parede de rocha a mais de 1.500 metros de altura que intimida só de ver sua sombra. Ao tentar avançar, o desprendimento de uma pedra acertou o quadril de Tut Braithwaite produzindo uma deslocamento e a primeira das baixas da expedição.

A segunda tentativa foi no flanco oeste, não tão vertical, mas não menos perigoso pela presença de grandes "seracs" misturados com rocha e gelo. Por aí o grupo conseguiu estabelecer um acampamento a 6.400 metros de altitude onde organizaram o ataque final ao topo oeste para mais tarde chegar ao principal.

Subindo a montanha, nada permitia pressagiar o que viria a acontecer.

No topo oeste foi superado com muita dificuldade em 15 de julho por Doug Scott, Chris Bonington, Mo Anthoine e Clive Rowland. Animados pelo sucesso decidem "rapelar" até a chapada que separa o topo oeste do pico principal e acampar ali em uma gruta de neve construída por eles e atacar o topo na madrugada seguinte. Mo Anthoine e Clive Rowlandlos abandonaram a tentativa por estarem esgotados.

Em 17 de julho depois de mais de 15 horas seguidas de escalada Doug Scott e Chris Bonington chegam ao cume pela primeira vez no "Baintha Brakk" sem aperceber-se que a noite espreitava sem trégua, convertendo a descida até a chapada em uma perigosa aventura. No primeiro rapel Doug Scott escorregou e ficou dependurado na corda. No pêndulo de recuperação calculou mau e deu de cara nas rochas; resultado: óculos quebrados, dois tornozelos fraturados e a sensação de ter cavado sua sepultura ali mesmo a 7.200 metros. Panorama muito sombrio.

Depois dos gritos de dor, o silêncio. Não podia apoiar os pés de nenhuma das maneiras. Por alguns instantes Doug pensou que era o final. Não seria possível que seu colega o carregasse como um inválido até o acampamento base. Decidiu arrastar-se, decidiu lutar.



Doug Scott na descida da montanha já com os tornozelos quebrados.

À manhã seguinte, depois de dormir em uma plataforma, Doug e Chris iniciaram uma descida que durou mais de 7 dias inteiros. Sua escassa velocidade e a falta de ritmo fez com que seus colegas do acampamento acreditassem que estavam mortos e iniciassem erroneamente a retirada. Só seus colegas Mo Anthoine e Clive Rowlandlos permaneciam ainda na chapada.

Os trechos combinavam-se. Algumas poucas vezes Chris carregava o acabado Doug como podia nas suas costas. Em outras, Doug deslizava sobre seus joelhos com a ajuda da corda e descia bem devagar no rapel com destino ao vazio. Quando o trecho era horizontal Doug se arrastava lentamente utilizando os cotovelos. Os últimos cinco quilômetros Doug fez de quatro (sobre os joelhos) destroçando as rótulas e as mãos.

Mas os acidentes não tinham terminado. Depois de dois dias refugiados por causa de uma forte tormenta em uma gruta de neve quando Chris contraiu uma severa pneumonia, continuaram com a descida. As debilidades e o cansaço de Chris resultaram em um grande tombo onde quebrou duas costelas.


Ao sétimo dia chegaram, maltratados, ao acampamento base onde todos acreditavam que já estavam mortos, e onde ainda viveram um último contratempo após esperar um longo tempo pelo socorro. Ao subir no helicóptero de salvamento, este se precipitou no vazio causando um aparatoso acidente, felizmente sem vítimas mas que demonstrou que a sorte acompanhou o homem até o final. A batalha com "O Ogro" tinha enfim sido vencida mas a guerra com a montanha seguia ainda vigente



Doug Scott em meio a uma nevasca. Observe como ele protege os joelhos.



Doug Scott após descer O Ogro.


Doug Scott e Chris Bonington não terminaram suas carreiras como alpinistas no "O Ogro". Só foi o princípio de uma das melhores duplas de alpinistas da história. Doug Scott já escalou o Everest e os "Seven Summits". Chris já subiu O Everest quatro vezes e pela primeira vez o Annapurna pela face sul. Foi nomeado Cavaleiro do império Britânico.




Doug Scott e seu colega Chris Bonington na atualidade