quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Julia Butterfly Hill, a mulher que ficou dois anos em cima de uma árvore para evitar seu corte

Quando Colombo pisou a América pela primeira vez, Lua (uma sequoia de 60 metros de altura) já tinha 500 anos. Em 10 de dezembro de 1997 o destino e uma moto serra se cruzaram em seu tronco. Julia Butterfly Hill, uma ativista de 23 anos, decidiu interromper o inevitável e subindo na árvore impediu o iminente corte. Passou 738 dias entre seus ramos e sem pôr um só pé em terra obrigou à companhia madeireira, depois de duríssimas negociações, a indultar a árvore e a todas as outras próximas..



Julia Butterfly Hill



Ninguém tem o direito de roubar do futuro para conseguir benefícios rápidos no presente. Há que saber quando temos o suficiente... " - Julia Butterfly Hill em seu livro "O legado de Lua".

Julia na copa da sequoia "Lua" a 60 metros de altura.

Lua é uma das sequoias milenares do bosque da cidade de Stanford na Califórnia. No final de 1997 a Pacific Lumber Company irrompeu no bosque de 60 mil hectares para iniciar o desmatamento de um dos ecossistemas mais importantes do local. Mas em seu caminho encontrou uma obstinada borboleta.

Julia Butterfly Hill nasceu em 18 de fevereiro de 1974 no Arkansas. De família muito humilde estudou em sua casa até os 12 anos. Seu pai era um pastor protestante itinerante e sua casa um trailer que compartilhava com seus três irmãos. A vida nômade e ambulante e a influência paterna educaram-na na escassez e no pragmatismo.

Conta em sua biografia que quando era já uma adolescente, em uma das assíduas caminhadas pela natureza com sua família, uma borboleta aterrissou em seu ombro e permaneceu com ela durante todo o trajeto. Metáfora da aventura de sua vida serviu também para acompanhar seu nome para o resto de seus dias.


Localização de Lua no bosque de Stanford.

Mas foi com 22 anos e uma experiência traumática de um grave acidente de trânsito que converteu Julia na ativista verde que comoveu todo um país. O percalço deixou graves sequelas cerebrais que requereram um lento processo e terapia intensiva. A proporção e o valor do tempo mudaram para sempre em Julia que dedicava suas longas horas de reabilitação à contemplação subversiva dos grandes bosques californianos. A crisálida transformou-se então em borboleta.

- "Adentrei no bosque pela primeira vez e experimentei o que significa para valer estar vivo. Entendi que eu fazia parte daquilo. Pouco depois soube que a Pacific Lumber Maxxam Corporation estava devastando esses bosques e minha confusão foi total. Contatei com a associação Earth First, que fazia campanhas para impedir o corte das árvores. Assim conheci 'Lua'".

Julia em um dos galhos de Lua.

A vida na árvore foi muito dura e mudou Julia por completo. A ideia era ficar duas semanas até o revezamento de um colega, mas isto nunca aconteceu. Uma pequena equipe fornecia-lhe cordas e víveres necessários, incluindo pequenos painéis solares para carregar o celular com o qual organizava as entrevistas, captar adeptos para a causa ou inclusive falar ao vivo com o senado norte-americano. Seu pequeno lar, a 50 metros de altura, consistia em uma plataforma de 3 metros quadrados coberta por uma lona impermeável, um pequeno fogareiro, uma caixa com uma bolsa hermética para fazer suas necessidades e uma esponja com a qual recolhia a água de chuva ou neve para se lavar.

- "Sim, a Pacific Lumber começou então a devastar árvores ao meu redor. Apareceram helicópteros que jogavam jatos de água. Queimaram os bosques durante seis dias, a fumaça destroçou meus olhos e minha garganta, e fiquei cheia de bolhas. Depois montaram guarda dia e noite para que não pudessem me fornecer comida. Fiquei amargurada, gritando, dando cabeçadas, à beira da loucura... Para consolar-me pensava nas famílias de Stanford que por causa da devasta do bosque ficaram sem casa por causa da inundação."

Mas o pior estava por vir. No inverno de 1998 uma impressionante tormenta de mais de duas semanas esteve a ponto de separar Julia de Lua. Lufadas de vento acabaram com a lona e empurraram Julia para o vazio. Abraçada à sequoia e próxima à rendição, escutou "a voz da lua" recordando que "só os galhos rígidos se rompem". Abandonou então o apoio estável para agarrar a flexibilidade dos galhos mais verdes que resistiram a investida e salvaram a vida de Julia.

Passar por essa tormenta supôs uma mudança de atitude. Julia livrou-se dos sapatos e fundiu-se com seu meio atingindo seu apogeu espiritual. Jamais voltaria a viver com medo. Julia passou a conhecer cada inseto, a cada rincão, folhas de Lua e isto permitiu encarar com certeza e vantagem psicológica a negociação com os desflorestadores que deixaram então de chamá-la de "eco-terrorista".

O tempo fortaleceu a imagem ativista de Julia e pouco a pouco foi ganhando o respeito e o apoio de muitas organizações ecológicas e dos meios de informação. O desfile de famosos que subiram à árvore para visitá-la (Bonnie Raitt, Joan Báez ou Woody Harrelson) foi tão grande como o impacto mediático do desafio.

Em 18 de dezembro de 1999 Julia desceu de Lua com as mãos verdes do musgo e os pés cheios de calos, no meio de uma grande cerimônia e entregando esta carta. Culminou com sucesso as negociações com a madeireira que se comprometeu não só a respeitar Lua e todas as árvores próximas em uma raio de 60 metros, senão de incluir uma política meio-ambiental em todos seus futuros trabalhos.

Hoje em dia Julia segue à frente de um importante grupo ecologista e ativista. Ajudou a criar a ONG "Circle of Life", participando regularmente em muitos dos "Tree-Sit" (sentadas em árvore) fecundados com sua façanha e espalhados por todos os cantos do planeta verde. Contou sua experiência no Livro "O legado de Lua" impresso em papel reciclado e sob o selo de tolerância ecológica "SmartWood Certified".

- "Permanecendo na unidade, na solidariedade e no amor, sanaremos as feridas da terra e de cada um de nós. Podemos fazer a diferença positiva através de nossas ações...", Julia Butterfly Hill em o "O legado de Lua".

Sequência da descida de Julia em 18 de dezembro de 1999.




Em novembro de 2001 um "Mark Chapman da natureza" tentou cerrar Lua e com uma moto serra fez um talho de 35 centímetros de profundidade na base de seu tronco. Desde então grampos gigantes consolidam a árvore.

Julia e Lua em seu estado atual. Grandes grampos protegem a ferida